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Kaori é o romance de estréia de Giulia Moon, conhecida escritora brasileira de contos de vampiros (e outras criaturas sobrenaturais). No entanto, quem tiver o prazer de ler essa obra-prima poderá até pensar que está diante de uma romancista com dezenas de livros de experiência, tamanha a qualidade da obra em questão.

A trama começa no Japão do período Tokugawa, onde conhecemos Kaori, adolescente que possui um perfume encantador. Essa característica marcante, aliada à beleza da moçoila, a torna objeto de desejo da cruel Missora, proprietária da casa dos prazeres do lugar. Presa pela cafetina, Kaori iniciará sua saga de vingança, cruzando ainda com samurais, prostitutas, criaturas fantásticas do folclore japonês e vampiros (é claro!). Porém, mesmo uma mulher em busca de vingança (a espécie mais perigosa do planeta, seja vampira ou não) pode também conhecer a ternura; no caso, na forma de José Calixto, artista bondoso (e brasileiro, olha só!) que deseja retratar sua obra-prima. Mas a trama não fica apenas em um período, não senhor! Ela alterna cada capítulo no Japão com um capítulo na São Paulo dos dias atuais. Nesses episódios, acompanhamos a jornada de Samuel Jouza (e não "Souza"), que trabalha observando vampiros para uma organização misteriosa. Os sanguessugas parecem estar cientes disso, contudo, como o olheiro não interfere em seus atos, eles aceitam numa boa. Isto é, até que Samuel resolve salvar a vida do lanche de um dos morto-vivos, desencadeando uma batalha que não gostaria de enfrentar. No caminho, irá encontrar Kaori, mais vampiros, uma bióloga gatinha e os misteriosos famélicos, criaturas que vivem uma relação de interdependência com os vampiros.
A obra tem tantas qualidades que é difícil enumerar apenas uma. A idéia de alternar as épocas foi muito bem sacada, pois cada capítulo termina em um momento de suspense, não de um jeito "Lost" de ser, mas sempre aguçando a curiosidade para descobrirmos o que acontecerá depois; mas, como o capítulo que vem logo em seguida está dando continuidade a algo que tinha ficado lá atrás, a história se revela uma sucessão de doces expectativas, tornando-se assim um daqueles livros impossíveis de largar.

Giulia sabe como dosar a natureza cruel e imprevisível dos vampiros, nunca deixando que fiquemos totalmente seguros sobre suas atitudes. É claro que Kaori, como protagonista, não é tão cruel quanto os vilões, mas em compensação ela nunca se torna uma vampira sentimental e bestinha. Os vampiros, na concepção de Giulia Moon, podem até ser "bonzinhos" de uma forma ambígua, afeiçoando-se com uma ou outra pessoa de acordo com seus caprichos; no entanto, eles nunca deixam de ser criaturas selvagens, que podem liberar seus instintos assassinos sem o menor aviso. Dessa forma, o clima de tensão é constante.

Além dos protagonistas serem extremamente carismáticos, os personagens secundários não ficam atrás: Missora e suas servas, Yuki e Fuyu, são as típicas vilãs que adoramos odiar, capazes de atrocidades inenarráveis; o samurai Kodo, protetor do personagem José Calixto, é uma figura rabugenta porém simpática, além de responsável por alguns dos momentos mais eletrizantes da narrativa; o vampiro Mimi é um barato, roubando todas as cenas em que aparece, enquanto Felipe e seus asseclas sempre resultam ameaçadores. Aliás, aqui vai a minha única reclamação em relação ao livro: as quatro vampiras amantes de Felipe mereciam um espaço maior na trama, elas são um espetáculo! Mas enfim, isso apenas demonstra o cuidado da autora com cada aspecto de sua obra, transformando personagens totalmente secundários em figuras mais memoráveis que muitos protagonistas que vemos em outros livros por aí.

Giulia é muito hábil em suspender a descrença do leitor. Por exemplo, um personagem trabalhando como "olheiro de vampiros" é um detalhe que poderia soar totalmente pueril, caso fosse escrito por um autor menos talentoso; porém, nas mãos da autora, tal aspecto soa totalmente coerente com o rico universo com que ela presenteia o leitor. Parte disso se deve à intensa pesquisa que a escritora realizou, tornando cada detalhe crível.

Por fim, preciso falar um pouco sobre os famélicos... Não sei se essas criaturas são baseadas no folclore japonês ou se foram criadas pela autora, mas a descrição desses seres foi uma sacada muitíssimo interessante, que serve para contextualizar os vampiros como uma espécie que faz parte de um suposto ecossistema.

Enfim, não dá para falar mais sem cair em spoilers, então vou parar por aqui. Kaori é um dos melhores livros que li nos últimos anos, uma história densa, surpreendente e sensual, que alterna passagens de aparente tranqüilidade - como a superfície de um lago com monstros anfíbios espreitando no fundo - com momentos de violência e ação alucinante. Obra obrigatória para todo fã de literatura fantástica e adoradores de vampiros.

Isto é, adoradores dos verdadeiros vampiros.

Boa leitura!


Fonte: Medo B.

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